sábado, 12 de novembro de 2011

Despoluir água com casca de banana?

As toneladas de casca de banana jogadas no lixo pelos brasileiros, ajudando na superlotação dos aterros, podem ter um destino muito mais nobre: a despoluição da água contaminada pelas indústrias por metais pesados. Foi o que descobriu, em sua tese de mestrado, a química paulista Milena Boniolo, que agora procura pequenas empresas dispostas a aplicar a técnica

Pesquisa realizada neste ano, pela Fundação SOS Mata Atlântica, apontou que, atualmente, todos os cursos d’água do Brasil estão poluídos, entre outros resíduos, por conta dos metais pesados jogados na água pelas indústrias do país (saiba mais em: Todos os cursos d'água do país estão poluídos). A situação não é boa e, ironicamente, podemos estar jogando fora, todos os dias, toneladas de um dos resíduos mais promissores no processo de despoluição da água contaminada por efluentes radioativos: a casca da banana.

A descoberta foi feita pela química brasileira Milena Boniolo, especialista em tratamento de águas residuárias, que garante que, além de ser uma alternativa ao desperdício de alimentos no país, o uso da casca da banana para livrar a água de metais pesados é uma das opções mais viáveis e baratas para as indústrias nacionais

Por que a casca da banana pode ser usada na despoluição da água contaminada por efluentes radioativos?
Esta foi uma descoberta que fiz na época em que trabalhava no Ipen - Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, da USP. Eu sempre me dediquei ao estudo de soluções que visassem à descontaminação da água, porque me interessava em buscar caminhos para tentar reverter este mal que o próprio homem, e ninguém além dele, está causando ao planeta e que pode ter consequências bem desastrosas. No entanto, todas as soluções que encontrava para o problema da poluição da água por efluentes radioativos - como as nanopartículas, por exemplo - eram caras e, por isso, não via chances de popularizá-las no país. Até que, em um dos meus experimentos, fiz uma farofa de casca de banana e percebi que, ao jogá-la na água, ela atraia para si os metais pesados presentes no recurso. A descoberta me fascinou, tanto que virou tema do meu mestrado, e ao investigar melhor o fenômeno, descobri que a reação química acontecia porque a casca da banana possui moléculas de carga negativa que atraem para si substâncias carregadas positivamente, como os metais pesados.

Mas por que você escolheu a banana como base da sua pesquisa?
Foi uma sucessão de coincidências. Fiquei sabendo a respeito de alguns trabalhos na Índia que utilizavam a palha do arroz - um alimento muito comum no país - para remover o corante da água. Depois disso, comecei a refletir: "O que tem na minha mesa, qual é a comida que não é aproveitada 100% no meu país e que pode ser usada na descontaminação da água?". Foi, então, que assisti na TV a uma reportagem sobre o desperdício de alimentos, com dados de 2008, que dizia que, todos os dias, apenas na Grande São Paulo, quatro toneladas de casca de banana são jogadas no lixo. Era a solução sustentável que eu procurava, porque, além de resolver o problema da contaminação da água por metais pesados, ela agrega valor a algo que consideramos lixo, sem ser, e que ajuda a lotar ainda mais nossos aterros sanitários.

Qual o passo a passo do processo de descontaminação da água com cascas de banana?
O processo é simples. Para potencializar as propriedades da casca da banana é preciso deixá-la exposta ao sol por dias e, em seguida, triturá-la e peneirá-la. A farofa que se forma é colocada na água para atrair para si os metais pesados. O foco do meu estudo foi o urânio, já que entre os objetivos do Ipen estão as pesquisas nucleares, mas a casca de banana também é capaz de atrair da água outros metais pesados que impactam a saúde humana e o meio ambiente, como o cádmio, o níquel e o chumbo

E o que é feito com a farofa de casca de banana após a despoluição da água? O processo gera algum tipo de resíduo?
Todo o metal é indestrutível. Em alguns casos, é possível, apenas, gerar subprodutos a partir dele, mas nunca destruí-lo. O objetivo da minha pesquisa é transferir o metal de lugar. Ao concentrá-lo na casca da banana, consigo tirá-lo da água. Em seguida, faço o processo contrário, chamado de dessorção, que se caracteriza por um banho de ácido, na farofa de banana, para separá-la dos metais pesados. Feito isso, esses elementos podem ser usados em outros processos químicos e a farofa de banana, reutilizada para a mesma função: a descontaminação da água. No entanto, eu ainda não sei quantas vezes ela pode ser usada até perder a função de despoluidora. Esse será o assunto da minha tese de doutorado.

Por enquanto, a sua técnica foi aplicada, apenas, em laboratório. O que falta para aplicá-la em maior escala?
O objetivo da pesquisa não é tratar a água para deixá-la boa para consumo, mas sim ajudar as indústrias a descontaminar o recurso que poluem, antes de devolvê-lo ao meio ambiente, a partir de uma alternativa de baixo custo, bem brasileira, que não se assemelha em nada com as caras tecnologias importadas do exterior para este fim. Por isso, o que falta para aplicar a técnica em grande escala é uma empresa nova, disposta a implantar o processo, que dura cerca de dois anos, desde o início. Por enquanto, todas as indústrias que me procuraram já têm um passivo ambiental, ou seja, já poluem a água e, portanto, começar por elas é inviável, porque já são casos mais extremos e urgentes.

Quais as consequências da água contaminada por metais pesados para a saúde humana?
Os metais pesados são bioacumuladores, o que significa que eles não saem do nosso corpo, quando são ingeridos. Eles, apenas, se acumulam, podendo causar problemas de saúde que vão desde intoxicação e problemas neurológicos até casos de câncer, que podem levar a morte. O caso de alguns metais pesados classificados como biomagnificantes - o mercúrio, por exemplo - é ainda mais grave, porque suas propriedades se potencializam na medida em que vai sendo ingerido por organismos vivos. Isto é, se como um peixe que está contaminado, o mercúrio fará mais mal a mim do que fez a ele, porque quanto maior o nível da cadeia alimentar, pior os estragos que ele faz no organismo. O homem, por estar no topo dessa cadeia, é o mais afetado por esses metais pesados biomagnificantes.

E quais os malefícios que essa água poluída com metais pesados causa ao meio ambiente?
Muitos, mas entre os mais graves estão a perda da biodiversidade e dos serviços ambientais prestados pelos corpos d’água aos seres vivos. Participei de um congresso na Califórnia em que especialistas disseram que, atualmente, 40% dos rios da China já não têm mais nenhuma utilidade ambiental, porque estão contaminados, em um nível irreversível, por metais pesados. Eles são usados para navegação, mas nada além disso, porque, se qualquer ser vivo entrar em contato com essa água, sua saúde corre sérios riscos. Ou seja, os rios chineses são hoje meras paisagens e esse cenário pode se repetir em qualquer país que não der a devida importância à questão da contaminação da água por metais pesados, inclusive no Brasil. 

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